A participação da internet nas eleições presidenciais deste ano foi
mais decisiva do que se imaginava. Especialistas no assunto dizem que a
campanha online ganhou formato próprio no Brasil, provocou o segundo
turno e, de quebra, deu voz a anônimos, que, por meio das redes sociais,
questionaram diretamente o processo eleitoral e seus candidatos,
pautaram a imprensa e escancararam feridas sociais, como o preconceito
regional.
A primeira campanha eleitoral com uso amplo da internet no Brasil vai
ficar para a história não apenas por ter sido a mesma que elegeu a
primeira presidente mulher do país. Quem entende do assunto diz que a
web ajudou a levar o então presidenciável José Serra (PSDB) para o
segundo turno graças à campanha online da ex-candidata Marina Silva
(PV), que surpreendeu os institutos de pesquisa ao receber 20 milhões de
votos e se gabaritar para a disputa presidencial de 2014.
O coordenador de mídia digital da campanha verde, Caio Túlio Costa,
diz que Marina – desconhecida por 60% do eleitorado no começo da disputa
– buscou compensar o pouco tempo que tinha no programa eleitoral
gratuito (cerca de 1 minuto e 20 segundos) investindo estrategicamente
em ações nas redes sociais.
- A gente tinha poucos recursos e tinha que dar um jeito e planejar uma estratégia diferente.
Em cada espaço da rede, a campanha conversou com um perfil de
eleitor. No Orkut, os verdes buscaram a simpatia dos evangélicos. No
Facebook, os alvos foram a classe média e as mulheres. Já no Twitter, a
estratégia foi identificar quem realmente fazia parte da “vanguarda da
internet”.
Para Marcelo Coutinho, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e
pesquisador da relação entre web e eleições, um dos principais fenômenos
da campanha foi justamente o papel das redes sociais. Ele diz que os
políticos não se fizeram de rogados e tentaram usar o Twitter para
pautar a imprensa.
- A diferença fundamental em relação às campanhas de 2006 e 2008 é
que em 2010 as redes sociais foram instrumentalizadas como canal de
campanha. Com uma participação tão ou mais importante que os sites dos
candidatos.
Esse foi o máximo de influência conseguida pelos políticos. Coutinho
cita uma pesquisa da FGV que revela que 64% dos eleitores/internautas
entrevistados foram buscar em outros cantos da internet informações
alternativas ao que ofereciam as campanhas e a imprensa.
- Para 52% dos entrevistados, a web permite encontrar o que não há nas mídias tradicionais.
Caso Mayara e os spams
Mas, afinal, quem são esses usuários? Segundo Coutinho, o naco dos 13
milhões de tuiteiros que falaram de política este ano representa a voz
de quem já se interessa por informações desse tipo nas mídias
tradicionais.
- O importante é que o ambiente digital está sendo cada vez mais
decisivo. Pela pesquisa, fica nítido que a rede foi, para os jovens, o
grande instrumento de mobilização política.
Foi justamente uma jovem estudante de direito a responsável por uma
das principais polêmicas vinculando o Twitter e as eleições. Mayara
Petruso vai ter de responder na Justiça por uma onda de preconceito
contra nordestinos desencadeada por ela, que no microblog vinculou a
vitória de Dilma Roussef (PT) ao voto regional. “Faça um favor a SP,
mate um nordestino afogado”, disse ela no Twitter.
O coordenador da campanha digital do PT, Marcelo Branco, disse que o
caso serviu para discutir nacionalmente um tipo de preconceito social
velado.
- A internet criou um terceiro bloco de formadores de opinião [...] O
Twitter reflete uma parcela da sociedade, e lá eu vi grupos fascistas.
As manifestações preconceituosas foram a resposta da campanha rasteira,
que estimulou o ódio religioso e regional.
Ele se referia a outra faceta das eleições na web este ano: a
baixaria. A campanha também vai ser lembrada pelos ataques de hackers às
paginas oficiais e pelos spams que entraram nas caixas de e-mails dos
eleitores contando mentiras sobre os candidatos.
As polêmicas não foram poucas, apesar de “a massa que usa o Twitter
não mostrar esse interesse todo pela eleição”, nas palavras do analista
de mídia do Ibope, José Calazans.
- Os assuntos mais comentados ainda foram celebridades e futebol.
Coutinho diz que a participação popular foi pequena porque os
brasileiros não querem mudanças profundas nos rumos do país, por isso
venceu Dilma Rousseff (PT), candidata do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
- O eleitorado estava menos disposto a mudanças eleitorais. Num
contexto desses, as pessoas se envolvem menos com as eleições, ao
contrário do que aconteceu com o [Barack] Obama [nos Estados Unidos],
onde as pessoas queriam mudança.
É o que pensa Soninha Francine, que trabalhou na campanha digital de
Serra. Ela lembra que, na campanha que elegeu Obama presidente, a
participação dos eleitores na internet aconteceu porque “o candidato era
negro, tinha sobrenome árabe em um país que vinha de dois mandatos de
[George W.] Bush”.
São essas diferenças que tornaram bem brasileira a campanha presidencial pela internet. Mas e o futuro? Coutinho responde:
- Ao olhar para 2014 a gente vê o aumento dos meios de comunicação
digital. Se a natureza das eleições for de mudança, esse uso vai ser
mais intenso e amplo.
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