Este post, foi escrito por
Jorge Furtado, ainda no 1º turno da eleição, mas achei muito interessante, apesar de ser um pouco extenso, mas vale a pena perder um pouco do seu tempo para ler. Leia agora.
Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que
vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina
André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela
nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.
Leio diariamente o
noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra,
uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra
representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho,
sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega
a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia.
(1)
Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir
a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por
sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas
ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer
parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que
teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais
como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas
envolvendo as células tronco.
Ouço e leio alguns argumentos para não
votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários
ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.
1.
“Alternância no poder é bom”.Falso. O sentido da democracia não é a
alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de
governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e
seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que
fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de
que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o
desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do
poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza.
Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e
muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.
2. “Não há mais
diferença entre direita e esquerda”.Falso. Esquerda e direita são
posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição
política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a
distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas
necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de
esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do
bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da
distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena
liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e confuso)
sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações
que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável.
A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados
de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais
que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito
amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita
reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos
partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Bornhausen, ACM Netto, Orestes
Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias,
Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado,
Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para
não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino
Maia ou Jorge Bornhausen, José Sarney é Che Guevara.
3. “Dilma não é
simpática”.Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a
simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom
governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto
do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida
pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um
bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu
destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a
ser revoltante.
4. “Dilma não tem experiência”.Argumento
inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e
da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os
gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e
eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por
exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha
administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.
5. “Dilma foi
terrorista”.Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso,
porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações
“terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de
resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo
praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também
fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também
praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que
participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida
democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram
ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles
jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no
país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.
6. “As coisas
boas do governo petista começaram no governo tucano”.Falso. Todo
governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode
manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do
governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a
AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O
governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência
social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De
qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do
governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.
7.
“Serra vai moralizar a política”.Argumento inconsistente. Nos oito anos
de governo tucano-pefelista - no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo
escolhido para suceder FHC - foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no
próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de
ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume
de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas
privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano
talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que
aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por
nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O
procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a
quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de
financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente
nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O
governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de
vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do
DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José
Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo
Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo
Dilma, ao contrário.
8. “O PT apóia as FARC”.Argumento falso. É
fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e
buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo
brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio.
Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e
nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A
relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países
deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da
diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de
capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um
dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou
alguém acha que a China é um país democrático?
9. “O PT censura a
imprensa”.Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente
Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga
imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional
de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição
oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à
imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos
órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que
acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade
da mídia.
10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito
mal da Dilma e muito bem do Serra”.Isso é verdade. E mais um bom motivo
para votar nela e não nele.
Fonte:
http://www.casacinepoa.com.br